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11ª CONFERENCIA ÁGUA VIVA KIDS - 2015
segunda-feira, novembro 24, 2008
"Os filhos devem ser assalariados"
A consultora financeira explica como fazer crianças a partir dos 3 anos aprender a poupar e a gastar.
Na próxima vez em que seu filho lhe pedir um brinquedo, pense em como ele poderá ganhar dinheiro para comprá-lo sozinho.
Esse é o conselho da consultora financeira americana Neale Godfrey. Ex-porta-voz de multinacionais como Microsoft, Coca-Cola, Procter & Gamble e Merrill Lynch, Neale, de 57 anos, desenvolveu um método para ensinar crianças a lidar com dinheiro desde pequenas – e entender por que não devem fazer birra quando os pais lhes negam algum presente. Seu livro Dinheiro não Dá em Árvore (Jardim dos Livros, R$ 25) alcançou o primeiro lugar na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times.
ENTREVISTA - Neale Godfrey
QUEM É Nasceu em Nova York, em 1951, e vive em Nova Jersey.É divorciada e mãe de um casal de filhos já adultos OBRAAbriu, em 1989, uma empresa cuja missão é orientar crianças sobre administração financeira. Criou um sistema de ensino sobre dinheiro e valores adotado por 10 mil escolas nos EUA. É autora de 16 livros sobre finanças voltados para a mulher, as crianças e a família
ÉPOCA – A senhora afirma no livro que aos 3 anos crianças já podem ter conta no banco. Por quê?
Neale Godfrey – Ao abrir uma conta-poupança, a criança começa a entender como funciona uma economia de longo prazo. E ela tem o direito de conversar tanto sobre dinheiro como sobre saúde, porque faz parte da vida. Nos Estados Unidos, 85% dos divórcios acontecem em razão de problemas financeiros. Isso não é levado em conta. A pior coisa a fazer é manter os filhos à parte do problema. Não assuste seus filhos, mas seja honesto com eles. Eles não precisam pagar nenhuma conta, mas peça que ajudem a economizar. Quando entendem o que está acontecendo, eles não entram em pânico. Se você diz: “Não falo sobre isso porque você é criança”, ela pode ficar insegura, por não saber o que está acontecendo. Se faltar dinheiro, mostre a situação e eleja prioridades. Eles devem sempre participar.
ÉPOCA – Por que as crianças devem aprender sobre finanças tão precocemente?
Neale – Quando você mantém as crianças longe desse assunto, elas perdem a noção das conseqüências naturais do dinheiro e de que a única forma de obtê-lo é pela troca. Elas acreditam que bastará dizer “eu quero” para que automaticamente consigam o que desejam. Mais tarde ficam chocadas ao perceber que o mundo não funciona assim. Seria como ensinar a seu filho que escovar os dentes é tão difícil que ele não precisa fazer isso. Ou não fazê-lo entender que parar no sinal vermelho vai lhe salvar a vida. Se você não fala sobre dinheiro, eles não entendem a realidade.
ÉPOCA – Começar a pensar em finanças na adolescência é tarde?
Neale – Nunca é tarde demais. Mas é mais difícil ensinar certas coisas a um adolescente que a uma criança pequena, todos sabemos disso. Crianças pequenas prestam atenção ao que os pais dizem, e adolescentes não.
ÉPOCA – Qual é melhor forma de começar esse aprendizado?
Neale – O melhor jeito é incorporar as lições nas atividades cotidianas. Eu divido em dois tipos os compromissos com as crianças. Existem aquelas tarefas que todas elas devem cumprir sem receber nada em troca, como ir para a cama na hora certa, escovar os dentes, arrumar os brinquedos. E há as tarefas pelas quais elas podem receber dinheiro, em que aprendem habilidades para a vida e como uma casa funciona. Crianças de 3 anos podem receber dinheiro em troca de pequenas ajudas aos pais, como pôr e tirar os pratos da mesa – sempre com os pais. Devem ser tarefas pequenas e simples, em que elas entendam que o único jeito de ganhar dinheiro é pelo trabalho. Essas tarefas vão mudando conforme a idade. Nos Estados Unidos, os adolescentes conseguem trabalho fora de casa, como cortar a grama ou cuidar de crianças da vizinhança.
"Aos 3 anos, as crianças já podem receber dinheiro em troca de pequenos serviços aos pais, como tirar os pratos da mesa "
ÉPOCA – Isso não pode transformar as crianças em adultos materialistas?
Neale – No meu sistema, há uma precaução para que isso não aconteça. Quando a criança termina a tarefa estipulada, ela mesma verifica se conseguiu alcançar o resultado esperado. Com isso, ela aprende a se orgulhar do que fez. Depois, recebe o dinheiro no dia do pagamento, como na vida real. Eu proponho dia e horário fixos, uma vez por semana. Para uma criança pequena, um mês seria tempo demais. Ela deve distribuir todo o dinheiro que receber entre quatro cofrinhos transparentes e etiquetados e não poderá gastá-lo de uma vez só.
ÉPOCA – Por quê?
Neale – No primeiro cofrinho, ela deposita 10% do que recebeu, e o valor acumulado será destinado à caridade. No segundo recipiente, entram 30% do recebido. Esse montante é chamado de “dinheiro rápido”, porque é a gratificação instantânea. Ele serve para uma pequena compra de acordo com o que a criança quiser. Ela terá total liberdade sobre o uso do dinheiro rápido, desde que as escolhas sigam as regras da família, como não comprar doces. No terceiro cofrinho, com outros 30% do recebido, entram as economias de médio prazo. Com isso, está se ensinando à criança a importância de abrir mão de um pouco de gratificação instantânea e poupar uma parte para algo maior que ela queira no futuro. Uma ou duas semanas já são um futuro razoável para uma criança pequena. Crianças maiores podem poupar para comprar coisas de maior valor, como um iPod ou um celular. O quarto cofrinho é destinado às economias de longo prazo, normalmente para custear a faculdade. Se a criança quiser dinheiro extra, poderá realizar um trabalho extra.
ÉPOCA – As crianças nunca devem ganhar dinheiro de graça?
Neale – Nunca. Todas as crianças querem coisas. Quando um adolescente diz que quer um jeans de grife, e isso custa algumas centenas de reais, você deve dizer: “Tudo bem, vá em frente e consiga o dinheiro”. Dessa forma, não é preciso brigar com o filho. E ele começa a pensar em quantas semanas de trabalho serão necessárias para comprar aquela calça. Não se trata de passar por cima da infância. Isso é tornar a criança capaz de realizar coisas. Também não é para não dar presente de aniversário. Mas com esse aprendizado elas não vão confundir o “Eu a amo” com um “Estou lhe dando o que você quer”. Elas não vão confundir valores materiais com seu próprio valor. E não vão achar que serão seres humanos melhores se tiverem uma roupa de grife. Na verdade, essa é uma maneira de acabar com o materialismo. Você coloca a decisão na mão deles: é seu dinheiro, sua escolha.
ÉPOCA – Ensinar isso não cabe à escola?
Neale – A ambos, família e escola. Tenho programas para os dois, incluindo um para o currículo escolar, começando pela pré-escola. As crianças aprendem a lidar com conta bancária, cartão de crédito, Bolsa de Valores e outros investimentos. Nos Estados Unidos, não podemos ensinar valores morais na escola, como a importância de fazer caridade. Essa parte deixo para os pais.
ÉPOCA – Onde os adultos mais erram na educação financeira?
Neale – Ao manter o dinheiro como o maior segredo de família. Não é preciso revelar tudo, mas costuma-se dizer coisas como “Não tenho esse dinheiro”. O que não é verdade. A verdade é que você escolheu não gastar com o que seu filho pediu. Explique que ele poderá fazer esse tipo de escolha quando tiver o próprio dinheiro. Seja mais honesto. Sente-se com as crianças, mostre algumas contas e deixe-as entender quanto custa manter uma casa, um carro. Fomos criados para acreditar que pessoas educadas não falam em dinheiro, assim como não falam sobre sexo.
Fonte: Revista Época - Ed. 515
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